Política e Poder, é quase um truísmo dizer, são indissociáveis. Por outro lado, tanto a Política – campo de expressão por excelência do Poder nos seus âmbitos mais tradicionais – como o Poder em seu sentido mais amplo (o que inclui toda uma diversidade de setores da vida social e das atividades humanas nas quais tal noção se aplica de maneira imperiosa) são igualmente indissociáveis da História. A Política, em sentido mais restrito, e o Poder, em sentido mais amplo, são construídos, percebidos, exercidos, apropriados, imaginados e discursados de modos diferenciados ao longo da História. Nada mais natural que, diante do incessante fluxo da História no que tange às múltiplas perspectivas sobre o Poder que vão surgindo e se desenvolvendo, também tenha se afirmado no seio da historiografia um campo mais específicos de estudos, também em permanente transformação: a História Política.
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É precisamente no âmbito deste campo mais específico de estudos historiográficos que, nas décadas recentes, tanto no Brasil como nos círculos historiográficos internacionais, tem crescido o interesse em se rediscutir o Poder, a Política e a própria História Política com relação aos seus paradigmas, questões conceituais e procedimentos metodológicos. O interesse facilmente se explica. Se a partir da terceira década do século XX se impuseram como campos preferenciais vitoriosos na historiografia ocidental alguns modos de pensar e realizar a História que pareciam relegar para segundo plano a História Política – na verdade uma velha História Política que fora tão típica do século XIX – já nas décadas recentes a historiografia ocidental se viu partilhada por uma diversidade muito maior de modalidades e abordagens históricas, algumas novas, outras renovadas.
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Em um mundo contemporâneo no qual tem se tornado cada vez mais clara a multiplicidade de poderes de todos os tipos que envolvem a vida social e individual, da coerção ou planificação governamental mais direta às sutis formas de propaganda subliminares, a História Política viu-se sensivelmente renovada neste novo rearranjo de modalidades históricas. Trata-se, contudo, muito mais de um desenvolvimento lógico e estrutural da Historiografia e de sua inserção no contexto da história recente, conforme veremos oportunamente, do que de uma simples moda historiográfica que retorna para compensar seus anos de relativo eclipse.
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Vejamos, antes de mais nada, como se situa a História Política no quadro das inúmeras modalidades em que hoje se encontra partilhado o Campo da História. Dentro do vasto campo de modalidades da História que hoje abrigam os enfoques e fazeres historiográficos – e que vão de categorias mais recentes como a Micro-História e a História do Imaginário até categorias já tradicionais como a História Econômica e a História Demográfica – existem algumas modalidades que se definem a partir de uma peculiaridade bem interessante. Elas são atravessadas por uma palavra apenas, que parece iluminar de maneira especial cada um dos seus diversos caminhos internos. Entre outras possíveis, podemos lembrar as noções de “Cultura”, “População”, “Poder”, a partir das quais teremos modalidades historiográficas muito específicas como a História Cultural, a História Demográfica, a História Política. Dentre essas modalidades historiográficas que são iluminadas em seu espectro de possibilidades internas por uma noção fundamental, a História Política ocupa um lugar bastante especial por razões que já discutiremos. Por trás da História Política – de qualquer história política, das antigas às novas possibilidades – está uma palavra apenas, ou um aspecto, que ocupa o papel de centro de gravidade de todos os fazeres e abordagens históricas que se abrigam sobre esta categoria. A palavra “poder” rege os caminhos internos da História Política da mesma maneira que a palavra “cultura” rege os caminhos internos da História Cultural, ou que a palavra “imagem” erige-se como horizonte fundamental para a História do Imaginário.
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“Poder”, como “cultura”, é entretanto uma palavra complexa, polissêmica, que se abre como campo de disputas para múltiplos sentidos e como objeto para multidiversificadas apropriações. Temos aqui palavras que são verdadeiros espelhos de muitas faces, que se transfiguram conforme os seus usos ou as intenções que as animam, que se transformam, que se comprimem ou se alargam ao longo da sua história léxica. A palavra “poder” é como uma armadura que se tem oferecido para muitas batalhas historiográficas, verdadeira arena que estimula confrontos internos dos quais podem emergir vencedores, neste ou naquele momento, alguns sentidos mais específicos ou mais abrangentes.
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Deveremos indicar, em primeiro lugar, a expansão de sentidos a que se permite o conceito de “Poder” na passagem de uma história política mais tradicional, como a que se fazia no século XIX, para as novas possibilidades que surgem com a historiografia do século XX, culminando com um novo âmbito que, nas últimas décadas do século XX, já passa a ser referido em termos de uma “nova história política”. “Poder”, de acordo com estas expansões de sentido, não seria apenas aquele que, na ótica dos historiadores e pensadores políticos do século XIX, emanava sempre do Estado ou das grandes Instituições – ou que a estes podia se confrontar através de revoluções capazes de destronar um rei e impor uma nova ordem igualmente centralizada – e nem seria apenas aquele poder que de resto mostrava-se exercido fundamentalmente pelos personagens que ocupavam lugar de destaque nos quadros governamentais, institucionais e militares da várias nações-estados. “Poder” – de acordo com uma nova ótica que foi se impondo gradualmente – é aquilo que exercemos também na nossa vida cotidiana, uns sobre os outros, como membros de uma família, de uma vizinhança ou de uma comunidade falante. “Poder” é o que exercemos através das palavras ou imagens, através dos modos de comportamento, dos preconceitos.
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O “Poder” apresenta-se a todo instante neste imenso teatro social no qual todos ocupamos simultaneamente a função de atores e de espectadores – daí que se possa falar hoje em um “teatro do poder” quando examinamos a política nas várias épocas históricas. Poder, no decurso de uma série de novas lutas políticas e sociais que redefiniu radicalmente a sociedade em que vivemos, é aquilo os homens aprenderam a reconhecer nas mulheres, que as maiorias aprenderam a reconhecer nas minorias, que o mundo da ordem aprendeu a reconhecer na marginalidade, que os adultos que aprenderam a reconhecer nos mais jovens. Essa compreensão mais abrangente da noção de “poder” redefine, obviamente, os sentidos para o que se deve entender por História Política.
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Redefinida desta maneira, os objetos da História Política são todos aqueles que se mostram atravessados pela noção de “poder” em todas as direções e sentidos, e não mais exclusivamente de uma perspectiva da centralidade estatal ou da imposição dos grupos dominantes de uma sociedade. Neste sentido, teremos de um lado aqueles antigos enfoques da História Política tradicional que, apesar de terem sido rejeitados pela historiografia mais moderna de a partir dos anos 1930 (Escola dos Annales e novos marxismos), com as últimas décadas do século XX começaram a retornar dotados de um novo sentido. A Guerra, a Diplomacia, as Instituições, ou até mesmo a trajetória política dos indivíduos que ocuparam lugares privilegiados na organização do poder – tudo isto começa a retornar a partir do final do último século com um novo interesse.
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De outro lado, além destes objetos já tradicionais que se referem às relações entre as grandes unidades políticas e aos modos de organização destas macro-unidades políticas que são os Estados e as Instituições, adquirem especial destaque, por exemplo, as relações políticas entre grupos sociais de diversos tipos. A rigor, as ‘ideologias’ e os movimentos sociais e políticos (por exemplo, as Revoluções) sempre constituíram pontos de especial interesse por parte da nova historiografia que se inicia com o século XX, mesmo porque estes eram campos de interesses muito caros à nova História Social que estava então se formando. Mas por outro lado, tal como já ressaltamos, hoje despertam um interesse análogo as relações interindividuais (micropoderes, relações de poder no interior da família, relacionamentos intergrupais), bem como o campo das representações políticas, dos símbolos, dos mitos políticos, do teatro do poder, ou do discurso
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(BARROS, José D'1Assunção. “História Política – o estudo historiográfico do poder, dos micropoderes, do discurso e do imaginário político”. Educere et Educare – Revista de Educação. n°4, n°1. 1° semestre de. 2009).
O artigo baseia-se no capítulo "História Política" do livro O Campo da História (Petrópolis: Editora Vozes, 2009, 7a edição).
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